Cidade vazia

Ainda no percurso da escalada mucuriciense, fui orientado, por uma plaquinha indicativa, a tomar o caminho da direita pra chegar até o Museu do Contestado.

Visitar esta casa que aloja – suponho – registros da história do nosso esfrangalhado Torreão, era um dos meus objetivos em Mucurici.

Além, claro, das interlocuções informativas necessárias para traçar o caminho a seguir.

Não tive sorte.

Nem num caso, nem no outro.

O Museu, conforme um pequeno cartaz artesanal aposto na porta cerrada, estava temporariamente inacessível por conta, se bem me lembro, de alguma reforma.

E as interlocuções que consegui, além de pouco informativas, indicavam, pra meu desgosto, que eu não teria como circular, como sonhara, pelos beirais do Torreão.

O que me coube, então, ao fim daquela escalada, já no Planalto, foi distribuir alguns exemplares de Minério entre a Biblioteca Pública Municipal e a biblioteca da EEEFM de Mucurici, ambas situadas na cumeeira do aclive.

Isso foi feito graças à gentileza dos trabalhadores da segurança que exerciam a guarda dominical das duas instituições educativas.

Depois, bastou que eu embicasse a magrela morro abaixo, e soltasse os freios, pra planar do Planalto de Mucurici até o perímetro urbano de Ponto Belo.

Ali, tão rapidamente chegando, o que estava reservado pra mim era um cenário meio assustador: a cidade – o que será que aconteceu? – estava totalmente silenciosa e vazia.

O que deduzi – ah, as deduções… – enquanto transitava repetidas vezes pela pequena extensão de Ponto Belo – sem encontrar interlocutores – é que a totalidade dos seus habitantes havia debandado.

E assim o lugarejo quedava emudecido (e só!) naquele domingo outonal.

E agora, o que fazer?

Estava ali, principalmente, pra conversar, confabular, inquirir.

Como não encontrava interlocutores, cheguei a pensar, num momento extremo, em retornar pra Mucurici.

Mas resolvi persistir na minha garimpagem pelos incertos sertões daquela cidade – supostamente – abandonada.

Já quase ao meio-dia, e contando coisa de uma dezena de idas e vindas de um extremo a outro de Ponto Belo, ouvi vozes femininas, em off, que me chegavam do interior de uma escola fechada.

Percebi que o portão não estava trancado e entrei caminhando, de mãos dadas com a magrela, até um pátio que se me abria vazio.

Pouco à frente do pátio vi um salão ocupado por grande número de mulheres – só havia mulheres ali, me pareceu – sentadas numas cadeiras alinhadas em configuração de auditório.

Ao perceber a minha presença, uma delas, que se distinguia em pé na retaguarda, veio falar comigo.

Elas, educadoras, estavam numa reunião dominical de trabalho. Se bem entendi, eram dirigentes das escolas daquela região, convocadas pela Superintendência Regional de Educação.

Se não era isso, o certo é que obtive, enfim, uma interlocução rápida – quase sussurrada –, mas importante.

Tanto porque me proporcionou a oportunidade de deixar exemplares de Minério para uma biblioteca local (a da EEEFM Maria Magdalena da Silva, cuja diretora estava presente), quanto, principalmente, porque a minha doce interlocutora provocou em mim uma surpreendente embriaguez.

Saindo dali – ainda meio alto – percebi que depois do meio-dia a cidade começava vagarosamente a despertar do seu torpor domingueiro e a se reintegrar.

Tanto que consegui almoçar e me hospedar.

Isso, ainda antes que a tarde acabasse de estender seu largo lençol dominical sobre aquele ajuntamento urbano diminuto, silencioso e quase vazio.

Já hospedado, achei de ficar o pouco que me restava da tarde na companhia de Dom Quixote de la Mancha, de Sancho Pança e da lembrança da gentil pontobelense (Dulcinéia, talvez) que há pouco conhecera.

Entre um capítulo e outro das aventuras do engenhoso fidalgo e de sussurros que ficaram da minha terna interlocutora, encontrei tempo para me perguntar que caminho seguiria na manhã seguinte.

As respostas que me ocorriam, se não eram vazias, chegavam pontuadas de interrogação.

(Continua no próximo domingo)

Veja textos anteriores:

Crônica publicada originalmente no site Estação Capixaba. Fotos: Gilson Soares.

Gilson Soares é poeta.
A Editora Cândida acaba de lançar mais um livro deste escritor: Cem palavras. Uma seleção dos textos publicados em sua coluna semanal nas páginas virtuais desta Editora. O livro pode ser adquirido na loja virtual: https://loja.editoracandida.com.br/cem-palavras