Hieróglifos em “petrobrês”
Na manhã da terça-feira, 3 de junho, saí de Urussuquara com o firme propósito de passar por Barra Nova, transpondo a barra (nova) do rio Mariricu, cruzar a ilha (e a vila) de Guriri, e fechar o pedal do dia em São Mateus.
Dito e (não) feito.
Cheguei, sim, a São Mateus, e ainda a tempo de fazer um longo e proveitoso passeio ciclístico pela irregular topografia da cidade, muito antes que a noite se deixasse pousar sinuosa sobre o indolente Cricaré, como depois aconteceu (eu vi!).
Tive tempo, também, pra deixar exemplares de Minério na Biblioteca Pública Municipal e na biblioteca da EEEM Ceciliano Abel de Almeida; pra visitar, banca por banca, as cores, os odores e os sabores do indispensável Mercado Municipal de São Mateus; pra ler – e reler – um poema definitivo de Mesquita Neto, gravado em placa de metal na praça que leva seu nome; e, ainda, pra assistir parte de um daqueles jogos amistosos que as seleções, nos preparativos finais para a Copa das Copas, andavam realizando pelo país afora.
Esse tal jogo, eu vi num diminuto e atraente bar no centro de São Mateus, já no finalzinho da tarde, bebendo, claro, uma boa e regenerativa cerveja, comendo uma coisa ou outra e observando, com calma, a agradável paisagem humana – e urbana – da cidade.
No entanto, é importante confessar pra você que eu estava, sim, folgadamente em São Mateus, mas, por um erro de percurso, esse ciclista gabola que lhe fala não tinha passado nem por Barra Nova, nem por Guriri.
Como assim?
Explico: por falta de informação (e, talvez, de atenção) peguei o caminho errado em alguma encruzilhada ou desvio que conduziria a Barra Nova.
A bem da verdade, nas estradas por que transitei naquela manhã não encontrei ninguém que eu pudesse eleger como interlocutor informativo:
automóveis, ônibus e vans passavam velozes, indiferentes ao solitário ciclista que por ali, naquela terça-feira vulgar, vagava.
É que a Petrobras plantou no Vale do Suruaca – drenado e exaurido – uma floresta de estações de coleta, campos de exploração e postos de perfuração.
Assim, o que aqueles tantos veículos queriam mesmo era entregar, pontualmente, à nossa petroleira, os operários, que, ensimesmados, levavam sua contribuição diária à extração, em forma de gás ou de óleo, de todo o hidrocarboneto que por ali se escondeu e se proliferou (ou petroliferou?) silencioso, enquanto os séculos – e os milênios – foram se sucedendo.
As placas indicativas que margeiam aquelas estradas estão todas escritas em petrobrês, um idioma que não domino.
Quando, enfim, encontrei alguém com quem pudesse conversar na nossa língua corrente – o velho e belo português popular brasileiro – já era tarde: eu e a magrela – por culpa minha e da petroleira nacional, não dela – já tínhamos passado muito da saída pra Barra Nova.
Quis voltar, mas fui desaconselhado, pois São Mateus já estava quase visível (apontavam para um distinto matiz urbano cravado numa extremidade daquela extensa restinga costeira) a módicos quilômetros dali.
Barra Nova e Guriri, assim, acabaram ficando pra alguma outra, incerta, viagem.
O que é lamentável, claro, mas fazer o quê, se não tive o cuidado de procurar, antes da viagem, um curso intensivo de petrobrês para estrangeiros?
Crônica publicada originalmente no site Estação Capixaba. Fotos registradas por Gilson Soares.
Gilson Soares é poeta.
A Editora Cândida lançará brevemente mais um livro deste escritor: Cem palavras. Uma seleção dos textos publicados em sua coluna semanal nas páginas virtuais desta Editora.