A deusa de Ponto Belo

Para José Garibaldi Magalhães

As deusas (os deuses) aterrissam de algum além, quando lhes convém. Entendo que seja assim.

E entendo assim, porque é assim que tem acontecido:

os poucos contatos presenciais que já tive com deuses (ou deusas) foram rápidos e inusitados.

Sempre.

Os deuses, sei disso, são passadiços:

brindam o efêmero com uma fugaz epifania, depois retornam, rapidinho, para a sua eternidade.

Foi assim que fez comigo a deusa de Ponto Belo:

quando ela veio ao meu encontro, ali naquele pátio deserto da escola que acabara de invadir, o seu olhar poderia ser apenas inquiridor.

Nada mais exigia essa demanda de trabalho que se lhe apresentava.

Era só perguntar – com o olhar mesmo – pro cara da bicicleta:

O que posso fazer, meu prezado, pra desanuviar esse seu cenho cerrado?

Ocorre que ela não fez só o que a obrigação exigia.

Generosa, deixou que se agregasse a seu espontâneo olhar interrogativo, uma nesga do esplendor que vadiava, àquela hora, pelo céu da sua pequena cidade – que supunha – abandonada.

Além disso, ouvi no compasso do seu passo – quando ela veio, quando ela voltou – uma melodia muito rara:

do auditório de fêmeas até o pátio vazio seus pés descalços ciciaram, juntamente com a brisa breve que soprou do nada, uma inédita sinfonia… inacabada.

Como você sabe, os deuses (as deusas!) quando querem se locomover, voam.

(Ou quase voam, na leveza da sua divindade).

Foi isso que ela fez, tanto quando veio, quanto quando voltou:

voou.

Já ao fim da tarde, com o cenho devidamente desanuviado, saí vadiando por Ponto Belo na busca do rastro volátil daquela deusa parda, que passara – pássara – por mim, no deserto do meio-dia.

O que constatei, então, é que a cidade diminuta – a mando dela, acredito – me recebia sussurrante, gentil e amistosa.

Com o mesmo tom – singelo – da deusa de Ponto Belo.

(Continua no próximo domingo)

Veja textos anteriores:

Crônica publicada originalmente no site Estação Capixaba. Fotos: Gilson Soares.

Gilson Soares é poeta.
A Editora Cândida acaba de lançar mais um livro deste escritor: Cem palavras. Uma seleção dos textos publicados em sua coluna semanal nas páginas virtuais desta Editora. O livro pode ser adquirido na loja virtual: https://loja.editoracandida.com.br/cem-palavras