Poema perdido (por certo, vencido) II

Pelo bem da verdade, vou informar a você que ao menos um dos velhos poemas dispensados pelos cupins que se apossaram de um porão do meu armário, não se achava definitivamente desaparecido nos labirintos do olvido.

Nascido na mesma distante Era bancária e também, como os outros sobreviventes, sujeito a severa defasagem, este poema encontra-se preservado numa página de Canção da meia-idade, livro que recebeu recentemente, da Editora Cândida, uma (atraente) segunda edição.

Tanto é verdade que ele (o livro redivivo) pode ser adquirido na loja virtual desta casa editorial: www.editoracandida.com.br

Por conta disso, encontrá-lo entre os restolhos (e frangalhos) deixados pelos itapecuins, não causou tanto espanto quanto o que a descoberta daqueles outros rabiscos (esquecidos) tinha causado.

Em verdade, em verdade, confesso pra você que são três os motivos que me instigaram a compartilhar tal poema agora, aqui:

um, porque gosto dele (ainda!);

dois, pra aproveitar o achado e divulgar a bela (2ª) edição feita, há pouco, pela minha generosa Editora;

e, por fim, pra não faltar a este compromisso dominical com você (e com ela, Cândida).

Por (tudo) isso, aqui está:

É desconcertante rever o grande amor.

(Tom Jobim e Chico Buarque, Anos dourados)

I

De repente você abandona a casa da memória,

o espaço da abstração

e se instala na minha presença:

vejo você chegar

no meio da realidade confusa de uma casa bancária

surpreendendo o ambiente

feito um pedaço de sol

que se solta

no meio de um dia gris:

o seu corpo vem de pátrias claras,

territórios livres;

sua boca guarda um gesto de luz;

suas mãos trazem tons de outras estações,

sinfonias de outros dias;

nos seus olhos há paisagens que desconheço:

são praias e pradarias

de um mundo absolutamente verde.

II

Mas ao invés de voar no céu da sua presença

eu rastejo mudo na restinga dos meus embaraços:

minhas asas estão presas.

III

O tempo, animal voraz, irrompe enlouquecido

e engole intensos minutos no átimo de um olhar.

As palavras tropeçam, chocam-se:

inábeis, deficientes,

incapazes diante do momento incandescente:

nada foi dito e você já se vai.

IV

Deixando, em despedida, o fruto do seu sorriso

você se afasta, em voo, da minha realidade

onde esteve por um triz;

enquanto eu, entorpecido, retomo a lida tola

de um dia, novamente, gris.

Retrato do poeta quando bancário
Foto: Sérgio Cardoso