Ano: 2014
A palavra é provavelmente o tema mais frequente deste livro. Uma constante ironia nem sempre fina mas infalivelmente certeira induz o leitor a um permanente estado de atenção. O estilo tem um toque de informalidade aliada a um vocabulário rico que torna a intervenção do narrador uma parte importante da narrativa. Os diálogos interiores misturam-se a tal ponto que autor e leitor não raro trocam de lugar. Da mesma forma, o cômico e o trágico conjugam-se e se interpenetram. Os temas, por sua vez, aproximam-se e se complementam. Para quem comenta um livro, é sempre tentador encurtar o caminho com exemplificações das qualidades apontadas. Então, em desrespeito a um dos agudos comentários de Jorge Solano, segundo o qual exemplos prejudicam a teoria, seguem-se algumas observações que certamente hão de ser prejudiciais à interpretação.
O primeiro conto, O encomiasta, mostra a descoberta do poder da linguagem. O protagonista especializa-se na arte do discurso e faz dela uma obsessão, enredando-se na ditadura da palavra. A partir daí, a própria vida assume papel secundário. O sério jogo verbal prossegue em Jorge e as palavras, cujo título evoca a tensão autor\personagem, desembocando na irrealizada tarefa de fazer do verbo a carne. E é no conto central – do ponto de vista meramente ordinal – que se atinge o ápice de tensão, quando o criador se mistura de vez à criatura. Não por acaso intitulado Eu quase, o conto traz a velha mas nunca desgastada oposição entre ficção e realidade. A sensação de incompletude então se exacerba em sua melancolia. Como bônus, entre uma ironia e outra, referências literárias, filosóficas e religiosas dão um sabor rico a histórias que por vezes têm um leve sabor de crônica. Trata-se de uma obra a transitar sempre em alguma fronteira mas que mantém com firmeza seu questionamento pelas possibilidades da vida humana.
Jorge Solano nasceu em 1947, no Espírito Santo. Fez teologia no Rio de Janeiro e exerceu o sacerdócio por quase dez anos. Cursou filosofia e é mestre em estudos literários. Publicou pela ediora Cândida os livros Visões da ponte ao meio-dia, Quase 7 contos e Biografia de um tatu-bola. Além dos livros impressos, o autor disponibiliza textos regulamente em sua página pessoal, o site http://www.publicanto.com.br, onde é possível ler ensaios e estudos literários e filosóficos.
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