Watu

Prenúncios graves, sombrios, circundavam o vale destroçado do Doce já há muito tempo (e a olhos vistos).

Um pouco antes daquela estocada fatal de 5nov2015, vimos, perplexos, o Watu esbarrar extenuado, esgotado, na praia de Regência, sem forças pra alcançar o seu destino marinho, bem ali.

Foi aí que procurei o meu velho companheiro musical (e etílico), Cezar Almeida, e entreguei pra ele (impressos) esses versos de dor (e esperança).

Sensível multi-intrumentista e compositor, Cezar logo, logo encontrou o diálogo adequado entre a minha poesia e a sua precisa (preciosa!) melodia.

Agora, pouco mais de dez anos depois e com arranjo novo (Viva Marcos Côco!) Meu Watu, a canção, se vê incluída no álbum Calango no Congo que chegará às plataformas digitais até mai2025 (quando você poderá ouvi-la).

Mas os versos dessa canção podem ser lidos (Letra por letra) agora, aqui, sob os auspícios editoriais da Cândida:

Meu Watu

(com Cezar Almeida)

Cristalina água das minas, das cordilheiras geraes

desce correndo por serras, santuários minerais

com saudades das florestas, das festas, dos festivais

das quermesses, das quadrilhas, coisas que já não tem mais.

Onde está meu rio grande? Seus cardumes onde estão?

Piau, traíra, piaba, acará-camaleão?

Cadê barcaça e canoa, vapor d’água, embarcação?

Onde as aves ribeirinhas? Que é da mata e do sertão?

Rio Doce, doce desce se esgueirando até o mar

desça Doce numa prece e não cesse de cantar.

Não cesse meu Watu, não cesse sua canção

convida o inhambu, trinca-ferro, gavião

convida a floresta inteira para renascer do chão

riachos, regatos, fontes rompendo no aluvião.

reviva a sua cantiga, reative o seu cantar

onça-pintada vem vindo, macuco pode voltar

é só afagar a terra que água do céu vai jorrar

rompendo a praia em Regência pra no oceano espraiar.

Rio Doce, doce desce se esgueirando até o mar

desça Doce numa prece e não cesse de cantar.