– Um Arco em linha reta?!
– Explico:
Por conta dos vai e vens na divisão territorial entre o Espírito Santo e a Bahia, o mapa do nosso estado apresenta na sua parte superior uma linha absolutamente reta, o que é pouco comum na Cartografia.
Observando o nosso desenho fronteiriço norte, temos a impressão de que aconteceu ali, em algum momento da história, uma delimitação político-geográfica impositiva.
Pois foi isso mesmo:
o imbróglio se deu porque o pensamento capixaba é que o nosso território deveria se estender até a margem sul do rio Mucuri.
A cartografia colonial e os mapas confeccionados até o final do século XIX também traziam esse entendimento.
Se esse veredicto da história tivesse prevalecido, em lugar daquela linha reta ali, teríamos (um tanto mais acima) a sinuosidade natural do Mucuri marcando a fronteira dos dois estados.
E eu não estaria cometendo este erro geométrico (ou semântico?) de usar a palavra arco no título desse conjunto de crônicas ciclísticas.
De toda forma, se você concordar que a nuança circular está assegurada observando o flanco noroeste do nosso mapa estadual, podemos, sim, manter o título do relato, pois é pra noroeste mesmo que estamos indo agora, eu e ela, magrela.
Em verdade, se eu não estivesse sendo conduzido por propósitos radicalmente extremistas, poderia, ter saído de Itaúnas na manhã daquela quinta-feira, 5 de junho, e ter ido direto pra Pedro Canário.
Mas o mesmo procedimento que me conduziu na peripécia do ano anterior até a meridional Praia das Neves, exigia agora que eu chegasse às areias mais setentrionais da Praia do Riacho Doce, ainda que eu não tivesse – como não tinha mesmo – nada mais pra fazer naquele paraíso despido de qualquer vestuário urbano.
Mas só estava chegando ali naquelas primeiras horas da manhã outonal, graças a um espirituoso pequeno empreendedor local, que atende pelo aumentativo de Celsão.
Esse empresário solitário tem – além de um valente fusquinha, que vi – uma pousada sem par, mesmo porque única, em Riacho Doce.
Isso já seria motivo bastante para que ele fosse conhecido pelo seu codinome superlativo, mas, além disso, Celsão deve ser exaltado por outra iniciativa de grande benefício coletivo: ele postou – ou posteou? – textos informativos, em plaquinhas indicativas, desde a saída de Itaúnas até a porteira de entrada da sua pousada.
As plaquinhas, rústicas e divertidas, vão se sucedendo, no decurso das florestas de eucalipto, como se propondo uma engraçada contagem regressiva até chegar à pousada e, claro, ao riacho fronteiriço.
Eu que já vinha pedalando escabreado desde que perdi Barra Nova e Guriri por não saber falar (nem ler) petrobrês, tratei de expressar de pronto um elogio à sua útil – e divertida – iniciativa.
Celsão, certamente ciente do valor do seu labor, contentou-se em comentar, sem se vangloriar, que já era hora de repetir o trabalho, posto que as plaquinhas seriais encontravam-se – por conta da ação do tempo – em petição de miséria.
O que posso assegurar é que sem aquela diligente e generosa informação eu teria me metido por alguma das muitas estradinhas incógnitas que se embrenham entre as fileiras uniformes de eucaliptos e teria chegado a… lugar nenhum.
Que é aonde vão dar, acho, todas aquelas inúmeras vias vãs.
Ou, talvez, tivesse desistido e tomado logo o rumo mais fácil, reto e sinalizado de Pedro Canário.
E assim Riacho Doce teria se juntado a Barra Nova e Guriri no angustiante mapa dos destinos perdidos.
Crônica publicada originalmente no site Estação Capixaba. Fotos: Gilson Soares.
Gilson Soares é poeta.
A Editora Cândida acaba de lançar mais um livro deste escritor: Cem palavras. Uma seleção dos textos publicados em sua coluna semanal nas páginas virtuais desta Editora.