Eu não sei de Lélia e de Sebastião Salgado mais do que você.
Nem mais do que o que o comum de nós, com orgulho (brasileiro), sabe dos dois.
Portanto, eu não deixaria de reverenciar, no início da minha viagem ao redor do Doce, a cidade de Aimorés, onde viceja (perene) um gérmen de luz que eles (Lélia, Sebastião) lançaram naquele chão.
Tinha me encontrado (consternado) com o (agredido) Watu ao final da jornada da quarta-feira em Baixo Guandu, onde pernoitei.
Logo na primeira hora daquela manhã de quinta-feira, 27out2016, nós (eu e a matinal magrela) passamos, então, num só giro do pedal, do Espírito Santo pras Minas Gerais, quer dizer, de uma pra outra daquelas urbes germinadas: Baixo Guandu (ES) e Aimorés (MG).
Além do afeto filial que guardo por esta cidade (meu pai nasceu em Aimorés e por ali viveu sua infância e parte da juventude), eu transportava também naquele curto pedal matutino a alegre constatação de que a partir dali eu ia transitar longamente margeando (na contramão) o Doce até os cocurutos da Mantiqueira.
E ainda (e a isso dedicaria toda aquela manhã) eu ia enfim, daqui a pouco, conhecer o Instituto Terra.
Presumo que você possa considerar que não há motivo pra isso, mas eu, confesso, tenho contentamento (geracional? Bairrista?) pelo fato de ter acompanhado (meio de perto) o desabrochar dessa iniciativa: guardo, como se guarda um tesouro, o livro Terra, concebido por Lélia, com fotos de Sebastião, texto de apresentação (que texto!) de José Saramago e canções de Chico Buarque e Milton Nascimento (Levantados do chão) num CD (sim, num cedezinho, você ainda se lembra?!) que veio embutido naquela preciosa publicação.
No mesmo momento de realização daquele livro dedicado ao MST,o Instituto Terra despontava.
Antes disso, no entanto, eu já me vangloriava de saber que Sebastião Salgado passou pela Ufes integrando uma geração anterior à minha e que, certamente, ele e Lélia (que, me parece, aqui morava) passearam apaixonados por ruas e praias de Vila Velha, onde eu (logo) depois viria também (na)morar.
Junte tudo isso ao fato de que no terceiro dia daquela tão sonhada (e protelada viagem) eu estava entrando no estado de Minas Gerais pra escalar trilhas e estradas alterosas até chegar lá onde nasce o Doce.
Se não bastasse todo esse meu parentesco emocional com a cidade de Aimorés e com o Instituto Terra, informo pra você que eu levava ainda, na rotunda bagagem agregada à magrela, uma canção que acabara de criar com o meu veterano parceiro Cezar Almeida.
A letra de Meu Watu, essa tal canção que eu levava na bagagem, começou a ser desenvolvida (veja só!) quando, por demanda de trabalho, um texto sobre o Instituto Terra chegou às minhas mãos.
Da leitura desse consistente arquivo laboral veio a ideia que desenvolvi e apresentei pro inventivo, competente (e orgânico) músico, Cezar Almeida.
E agora esse nosso tributo ao maltratado Doce, em nova versão, está no repertório do álbum Calango no Congo que, como você sabe, vai ser lançado nas plataformas digitais nesse mês de agosto que já está chegando.
Coube ao acaso, como sempre, reunir esse conjunto de circunstâncias que além de brindarem nossa (minha e da magrela) passagem por Aimorés e pelo Instituto Terra em outubro de 2016, no terceiro dia daquele Doce pedal, brindam, hoje o segundo episódio dessas Crônicas ciclísticas que pretendem relatar (aqui no site da Cândida) aquele périplo ribeirinho que fizemos pelo Watu.
A gravação que usamos pra esta postagem foi realizada no final de 2020, por Marcos Côco, Aloyr Jr. e Carlos Papel (integrantes do grupo O Quarto Crescente), foi produzida em amistosa parceria com Fernanda Nali (Fina Produções) e recebeu financiamento coletivo de um grupo de amigas e amigos.
No Calango no Congo a canção que fiz com o meu parceiro, Cezar Almeida recebeu um novo arranjo do sempre presente Marcos Côco.
Ouça uma agora e a outra ouça quando o calango ligeiro chegar.
Você (acho) vai gostar.