Primeira canção da estrada

Toda estrada clama por canção.
Disso você sabe, claro.
Nas minhas viagens ciclísticas sempre levo (na bagagem) algumas baladas, reservadas de antemão.
E também vou achando (e agregando) pelo caminho melodias e cantorias de ocasião.
Seguido por essa insistente rima (intencional ou não), o título que encabeça o episódio que trazemos hoje aqui no site da Cândida, vai conduzir você à lembrança do rock rural que embalou uma pretérita (diria até, decrépita) geração.
Você vai alegar que eu, integrante dessa (longeva) galera, estaria intitulando o texto de hoje com o nome de tal (itinerante) canção porque estou indo pedalar ribeirinho pelo São Francisco.

E vai dizer também que inspiradoras viagens pelo Velho Chico são reverenciadas com frequência no repertório de Sá, Rodrix e Guarabyra, os criadores desse (quase) hino juvenil daquele período da MPB: Primeira canção da estrada.
Se você leu o primeiro episódio dessas Crônicas ciclísticas, a que dei o nome de Igarité (vila franciscana pertencente ao município de Barra, BA) poderá, ainda e com razão, supor que eu estaria assim homenageando Gutemberg Guarabyra, que nasceu em Barra e viveu sua infância e juventude em Bom Jesus da Lapa, pra depois tornar-se um importante nome da Música Popular Brasileira e ser um dos integrantes do trio que criou e cantou aquela primeva canção estradeira.
Só que vou informar pra você que não é nada disso.
Em verdade essa informação nem me ocorria enquanto saía de Vila Velha no final de outubro de 2017 em busca da Serra da Canastra no (velho) Oeste das Minas Gerais, onde fica a nascente do rio São Francisco.
No primeiro trecho daquela extensa viagem, depois de deslizar pelo litoral sul capixaba, eu cruzei a Zona da Mata e a região do Campo das Vertentes, dois muito atraentes redutos do amplo território mineiro.
Portanto, ao entrar em Minas Gerais (por Muriaé) no dia 30 de outubro eu estava ciente de que iria pedalar pelas próximas semanas por uma grande diversidade de culturas, hábitos sociais, sotaques, ritmos, saborosas manifestações culinárias e numerosas referências musicais.
Sabedor, pois, da pluralidade que habita e transita por esse extenso estado que em boa parte retrata a exata fisionomia do mais profundo Brasil brasileiro, eu ia naqueles dias pedalando por consecutivas serranias, imbuído de um sentimento ao mesmo tempo cívico e aventureiro.
E eram muitas as canções que me acudiam, enquanto eu pedalava solitário por aquelas estradas, vilas, cidades, paisagens e, principalmente serras que por ali me acercavam.
Eram canções que se apresentavam nos ocasionais ambientes ou circunstâncias que as convocavam. Desenvolviam suas performances para os auditórios silenciosos da memória. E depois iam embora.
Mas uma canção eu levei comigo e ela nos acompanhou durante toda nossa escalada (minha e da magrela) desde o litoral capixaba até o cocuruto da Canastra, transpondo os sopés da Mantiqueira, na busca da nascente do São Francisco.
Criada por dois cariocas (Dori Caymmi e Paulo César Pinheiro), Desenredo é a canção que levei pra nos acompanhar principalmente no primeiro trecho da viagem: a subida até a nascente do Velho Chico.
Uma das mais belas peças do nosso cancioneiro popular, Desenredo agrega uma toada brasileira criada por Dori a uma letra criada por um dos maiores poetas da MPB, Paulo César Pinheiro.
Foi Desenredo então, em verdade, a primeira (e mais presente) canção da estrada naquele trecho inicial da nossa longa jornada:

Ê Minas, ê Minas, é hora de partir, eu vou
vou-me embora pra bem longe…

Link para a canção Desenredo no Youtube: clique aqui