Narrado em terceira pessoa, o livro apresenta três partes e diversos capítulos de micro-romances ensaiados pelo protagonista. O romance, desse modo, é estruturado em mise en abyme, isto é, narrativa dentro de narrativa, uma vez que “Hipomênia e os cães” (alusivo a A demanda do santo graal, novela anônima do século XIII, e ao romance contemporâneo Corações migrantes, de Maryse Condé), “A pedra de Carlos” (alusivo ao Madame Bovary, de Gustave Flaubert, e ao “Singularidades de uma rapariga loura”, de Eça de Queirós) e “Um chorinho em sol menor” (alusivo ao Tenda dos milagres, de Jorge Amado, e às Cartas portuguesas, de Gabriel-Joseph de Lavergne, visconde de Guilleragues) são os pequenos romances que Eduardo ensaia e hesita em escrever, enquanto se debate, ainda, entre o amor por dois homens, Maurício e Alessandro.
O livro procura, além de brincar com metalinguagem, desenhar a largos traços duas discussões antigas e sempre renovadas: por um lado, o dilema do escritor diante da (in)utilidade de seu trabalho artístico com as palavras e a representação do mundo ao seu redor, sobretudo em sociedade destituída de uma cultura forte e contínua de incentivo à leitura e de compreensão do que seja e enseja o literário. Por outro, o embaraço do leitor diante das representações ficcionais de um texto verbal artístico, em especial, quando ele serve de referência a sua produção.
Paulo Roberto Sodré nasceu em Gurigica, Vitória, em maio de 1962. É professor titular de Literatura Portuguesa no Departamento de Línguas e Letras da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). Publicou Interiores (1984), Ominho (1986), lhecídio: gravuras de sherazade na penúltima noite (1989), Dos olhos, das mãos, dos dentes (1992), De Ulisses a Telêmacos e outras epístolas (1998), Senhor Branco ou o indesejado das gentes (2006), Poemas de pó, poalha e poeira (2009), Guido, a folha e o capim (2010), Poemas desconcertantes seguidos de Senhor Branco ou o indesejado das gentes (2012), Poemas desconcertantes (edição eletrônica, 2017), Uma leitura na chuva (2018). É autor também de ensaios: Um trovador na berlinda: as cantigas de amigo de Nuno Fernandes Torneol (1998), Cantigas de madre galego-portuguesas: estudo de xéneros das cantigas líricas (2008) e O riso no jogo e o jogo no riso na sátira galego-portuguesa (2010).
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