Dormi mal na Capital
Quando saí de Vila Velha pra este Giro pelo Arco Norte, saí com o propósito de passear.
Tracei, como já disse, um arremedo de roteiro e um prazo aproximado de vinte dias para cumpri-lo.
O restante dividi com exata igualdade: uma parte para o que desse e a outra para o que viesse.
Só não era, na verdade, exatamente assim, por conta de dois compromissos – com data e hora marcadas – a saldar em meio ao percurso.
Uma dessas obrigações já tinha sido quitada no dia 30 de maio, primeiro dia da viagem: aquele bate-papo com os alunos das duas escolas de Coqueiral de Aracruz.
Mas restava outro compromisso: no dia 7 de junho eu teria que me apresentar na cidade mais extrema do noroeste capixaba, Montanha, pra um encontro, às oito da noite, com Sérgio Sampaio.
Por conta desse encontro marcado com o Velho bandido, fui a Três Corações (ou Taquarinha?) só mesmo pra concluir essa ponte enviesada que elaboramos (eu e ela, magrela)entre as duas tríplices fronteiras do nosso estado.
Feito isso, pensei, voltaria, todo gabola, pra Cristal do Norte e dali rumaria pra Montanha, fechando assim a primeira semana da viagem.
Você fez isso?
Pois é, nem eu.
Explico: mais de um dos meus poucos interlocutores em Taquarinha (Três Corações?), sugeriram que, ao invés de voltar pra Cristal do Norte, eu fosse pra Nanuque – ali pertinho, diziam – e daí pra Montanha.
Acedi por alguns motivos: um, é que nunca gosto de voltar – retomar um mesmo caminho em sentido oposto – ainda mais no mesmo dia; outro é que o Sampaio teimoso só daria as caras lá por Montanha, no sábado à noite, portanto não havia pressa; e, mais outro, é que me pareceu tentador ir a Nanuque, cidade, afinal, autoproclamada Capital da Tríplice Fronteira;
(por último e, talvez, mais importante: Nanuque me faz lembrar de uma recente mulher – nascida ali – de nome musical, pele negra e voz vespertina que, ronronando de olhos fechados, orientou as minhas mãos atônitas pelo labirinto dos seus desejos.
Depois sumiu pelos emaranhados de Cariacica).
Daí decidi pernoitar mesmo em território mineiro.
Só que a noite em Nanuque acabou sendo muito mal dormida:
a Capital da Tríplice Fronteira estava entregue (só fiquei sabendo depois que cheguei lá) à sua Exposição Agropecuária (ExpoAgro 2014) em vésperas da Copa das Copas no Brasil.
Esse encontro de capitalistas rurais naquela fronteiriça Capital financeira é uma das festas mais concorridas da região.
Eu, que por outros motivos aportava ali naquela sexta-feira, informo a você que não tenho – nem pretendo ter – nenhuma afinidade com o agronegócio, com a pecuária, com as festas de rodeio ou com o ideário e a indumentária que vestem essas culturas.
Além do mais, costumo trancar firmemente os meus ouvidos à trilha sonora que ruge nessas ocasiões.
Em verdade, como Chico César e Rita Lee, Odeio rodeio.
Mas até aí tudo bem: estava ali conduzido por circunstâncias de percurso e não tinha, necessariamente, que entrar na festa.
Só que pedalei por todo aquele resto de tarde, subindo e descendo uma margem e outra do rio Mucuri, que corta a cidade de cima em baixo, à procura de um lugar, qualquer que fosse, pra nos hospedar.
Sabe o que eu encontrava?
Nada.
A cidade estava lotada!
A noite de outono tropical já havia se apossado de Nanuque – depois de ter recolhido e lançado nas águas do Mucuri os resquícios de luz da tarde clara – quando consegui um cubículo insalubre pra pernoitar com a minha valente companheira, muda e cansada.
Eu ainda consegui dormir um pouco.
Mas ela, magrela, eu acho, não dormiu nada.
Coitada!
Crônica publicada originalmente no site Estação Capixaba. Fotos: Gilson Soares.
Gilson Soares é poeta.
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