Canarinhos

Em Pedro Canário acabei por me encontrar, de novo, com a turbulenta BR 101.

Mas desta vez não transitei nem pouco, nem muito, por ela: contentei-me em transpô-la pra me hospedar em um pequeno hotel situado a oeste da sua linha de turbulência.

A inquieta (e importante) via rodoviária brasileira, divide aquela ilha canária em duas partes desiguais:

a leste está a cidade propriamente dita e a oeste está um aditivo urbano quase que exclusivamente residencial, mas que apresenta, aqui e ali, laivos de pretensão empresarial.

Naquele fim de tarde de quinta-feira ziguezagueei – com cuidado, claro – sobre a intensa BR, em idas e vindas totalmente despidas de qualquer compromisso.

Assim, localizei a EEEM Manoel Duarte da Cunha, para em sua biblioteca depositar um ou dois exemplares de Minério; fui até a Biblioteca Pública Municipal Presidente Tancredo Neves com o mesmo objetivo; e circulei, surpreso, em torno da Lagoa Augusto Ruschi ancorada a poucos passos do centro nervoso da cidade, onde pessoas vindas de todos os lados da urbe canária (algumas jovens, a maioria nem tanto) bordejavam, no afinco do seu footing, um céu claro de outono tropical refletido inteiro (eu vi!) no espelho vespertino da lagoa.

Quando retornamos, eu e a magrela, para a sua banda oeste, a cidade já deixava entrever uns rubores de crepúsculo na paisagem que se estendia pelo poente.

Uma pequena fila de vistosos ônibus de excursão, alinhados em paralelo com a rodovia, chamou-me a atenção.

Com a minha agenda (vadia) vazia naquele quase início de noite da quinta-feira atendi ao chamado da curiosidade e fiquei por ali, perto do hotel onde estava hospedado, observando a aterrissagem de uma revoada de canários adolescentes que atravessavam a BR 101 e se empoleiravam em torno daqueles ônibus ali comboiados já em posição de decolagem.

Aproximei-me de uma chilreante roda de canarinhas em flor e quis saber o motivo daquela algazarra excursionista no anoitecer de uma quinta-feira banal.

Uma delas, com cortesia juvenil, explicou que estavam indo para as suas faculdades em São Mateus, cidade que está, me parece, imediatamente abaixo de Linhares no ranking que aponta a capital do Norte capixaba.

Daí a pouco, numa disciplina espontânea e graciosa, todas elas, todos eles, entraram nos ônibus e ocuparam seus lugares.

Rapidamente aquela frota, aproveitando um hiato na turbulência viária, iniciou, enfileirada, o percurso diário da aventura cívica daquela alegre ninhada canariense.

Eu ainda fiquei um pouco por ali, deglutindo a receita saborosa de Brasil servida por aquele bando de canários, todos muito jovens, que depois de um dia de trabalho nas lojas, nos escritórios, nos restaurantes, nas padarias, nos canteiros de obras e nos hospitais da cidade, alçavam voo noturno em busca do futuro com beleza e vigor juvenis.

Deixando pro ciclista forasteiro um sentimento alvissareiro de País.

(Continua no próximo domingo)

Veja textos anteriores:

Crônica publicada originalmente no site Estação Capixaba. Fotos: Gilson Soares.

Gilson Soares é poeta.
A Editora Cândida acaba de lançar mais um livro deste escritor: Cem palavras. Uma seleção dos textos publicados em sua coluna semanal nas páginas virtuais desta Editora. O livro pode ser adquirido na loja virtual: https://loja.editoracandida.com.br/cem-palavras