Paulo Roberto Sodré nasceu em Gurigica, Vitória, em maio de 1962. É professor titular de Literatura Portuguesa no Departamento de Línguas e Letras da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). Publicou Interiores (1984), Ominho (1986), lhecídio: gravuras de sherazade na penúltima noite (1989), Dos olhos, das mãos, dos dentes (1992), De Ulisses a Telêmacos e outras epístolas (1998), Senhor Branco ou o indesejado das gentes (2006), Poemas de pó, poalha e poeira (2009), Guido, a folha e o capim (2010), Poemas desconcertantes seguidos de Senhor Branco ou o indesejado das gentes (2012), Poemas desconcertantes (edição eletrônica, 2017), Uma leitura na chuva (2018). É autor também de ensaios: Um trovador na berlinda: as cantigas de amigo de Nuno Fernandes Torneol (1998), Cantigas de madre galego-portuguesas: estudo de xéneros das cantigas líricas (2008) e O riso no jogo e o jogo no riso na sátira galego-portuguesa (2010).
Digitado entre 2016 e 2019, o reconto Um pássaro de fogo apresenta uma versão da lenda “O pássaro de fogo”, conhecida principalmente desde a publicação de Lendas capixabas: lendas e estórias, em que a historiadora Maria Stella de Novaes, em 1968, editou uma seleção de contos populares ligados ao imaginário espírito-santense.
A narrativa expõe a história de dois enamorados indígenas de etnias rivais, em tempos pré-coloniais, que sofrem a consequência da punição pela rebeldia de manterem o afeto apesar da reprovação de seus povos: sua transformação em monte (o Mestre Álvaro, em Serra) e rochedo (o Moxuara, em Cariacica). Seu amor, contudo, sobrevive graças à intervenção maravilhosa do pássaro de fogo que, em certa época do ano (em geral, nos festejos de São João), lhes permite voltar à forma humana, para bailarem amorosamente.
O uso do termo reconto, isto é, imitação de um texto pré-existente, em vez de lenda, se deve ao fato de o autor propor mais que a exposição da conhecida lenda: “Para mim, o propósito central foi colocar em evidência dois aspectos caros à literatura popular homenageada no livro: a importância da transmissão da tradição oral de geração para geração e a relevância do(a) narrador(a) comunitário(a) para essa transmissão”.
A narrativa é estruturada a partir de um narrador que conta a história do pássaro por meio da narração do pai, instigado pela curiosidade do filho pequeno pelo imaginado pássaro de fogo aninhado no Moxuara, em Cariacica, no dia de São João. Por esse motivo, e fazendo jus à máxima “Quem conta um conto aumenta um ponto”, o título é Um pássaro de fogo (e não “Pássaro de fogo” ou “O pássaro de fogo”), “garantindo-se a ideia de que se trata de uma versão da lenda, de seu reconto, afinal”, afirma Sodré.
O texto abarca não apenas a lenda contada em prosa por Novaes, mas diversas outras versões já publicadas em prosa e verso, como No cangote do Saci, de Maria Amélia Dalvi, de 2018, em verso.
Leia maisNarrado em terceira pessoa, o livro apresenta três partes e diversos capítulos de micro-romances ensaiados pelo protagonista. O romance, desse modo, é estruturado em mise en abyme, isto é, narrativa dentro de narrativa, uma vez que “Hipomênia e os cães” (alusivo a A demanda do santo graal, novela anônima do século XIII, e ao romance contemporâneo Corações migrantes, de Maryse Condé), “A pedra de Carlos” (alusivo ao Madame Bovary, de Gustave Flaubert, e ao “Singularidades de uma rapariga loura”, de Eça de Queirós) e “Um chorinho em sol menor” (alusivo ao Tenda dos milagres, de Jorge Amado, e às Cartas portuguesas, de Gabriel-Joseph de Lavergne, visconde de Guilleragues) são os pequenos romances que Eduardo ensaia e hesita em escrever, enquanto se debate, ainda, entre o amor por dois homens, Maurício e Alessandro.
O livro procura, além de brincar com metalinguagem, desenhar a largos traços duas discussões antigas e sempre renovadas: por um lado, o dilema do escritor diante da (in)utilidade de seu trabalho artístico com as palavras e a representação do mundo ao seu redor, sobretudo em sociedade destituída de uma cultura forte e contínua de incentivo à leitura e de compreensão do que seja e enseja o literário. Por outro, o embaraço do leitor diante das representações ficcionais de um texto verbal artístico, em especial, quando ele serve de referência a sua produção.
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